A BEATITUDE CONTRA O ESTUDO DE FILOSOFIA ATUAL

Vinicius Dias
3 min readApr 4, 2021

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Santo Tomás de Aquino em uma luminosa discussão sobre a beatitude diz o seguinte: “O desejo natural da criatura racional é conhecer tudo o que lhe pertence à perfeição do intelecto, a saber, as espécies, os gêneros e as razões das coisas, que verá em Deus quem lhe vir a essência. Porém, conhecer seres singulares ou os seus pensamentos e atos não é da perfeição do intelecto criado, nem é essa a tendência do seu desejo” no art. 8 da questão 12 da I pars da Suma Teológica.

Em outras palavras, a perfeição própria do intelecto é antes conhecer a essência das coisas do que sua existência singular.

Santo Tomás, nesse trecho, fala especificamente da beatitude sobrenatural, ou seja, da visão dos bem-aventurados, contudo, podemos falar numa beatitude natural, já descrita por Aristóteles na Ética a Nicômaco. A felicidade suprema do homem é conhecer a causa primeira. A diferença entre as duas beatitudes é que uma vê pelos olhos da Graça e a outra pelos olhos da razão natural, pois ambam visam a Deus.

Pois bem, isso é o contrário do que se prega atualmente nos estudos de filosofia atuais. Em vez de conhecermos a essência das coisas, somos incentivados a conhecer os atos singulares e o pensamentos de seres singulares. Não é disso que se trata a atual mania exegética e filológica? Não preterem o estudo da sabedoria pela filosofia de alguns autores?

Aos olhos do mundo, parece ser menos grave deixar de lado a busca pela sabedoria do que cometer erros sobre a correta interpretação de Kant, Hegel, Marx et caterva.

Isso é uma desordem da inteligência chamada concupiscência dos olhos, é a avareza de acumular riquezas secundárias e potenciais.

É verdade que o estudo dos autores é muito importante, contudo, trata-se apenas de uma ferramenta de estudo para se alcançar a sabedoria.

Mas nem mesmo o estudo dos bons autores é necessário, que dirá dos maus.

Como cristãos, devemos saber obviamente que muitas das pessoas bem-aventuradas jamais tiveram contato com Santo Tomás na vida, apesar de seu estudo ser muitíssimo recomendável e salutar. Menos ainda importa saber uma palavra sequer dos falsos filósofos.

“Mas, Vinicius, se queres dizer algo sobre Kant (para dar um exemplo), não deveria estudá-lo profundamente?”.

É preciso nos atentarmos a algumas coisas. O estudo da filosofia moderna não pretende ser apenas uma prática solitária sem qualquer consequência social. No exemplo de Kant, as pessoas que adotam sua filosofia, procuram convencer as pessoas a tomarem suas posições no que concerne à política, moral etc. Nesse contexto, o ônus de provar o seu valor cabe a Kant, autor até relativamente conhecido, mas cuja tradição nem se compara à tradição católica. Ele é quem tem que dizer porque suas ideias devem ser adotadas. Em segundo lugar, é descabido exigir, do ponto de vista da ordem pública, que todos sejam especialistas nesse ou naquele autor para que seja repelido.

Vale apontar que no parágrafo acima ainda trabalhamos com a hipótese de que no estudo privado haveria algum direito de se estabelecer arbitrariamente a aceitação de Kant como ponto de partida. Mas como mostrei no início do post, a natureza humana clama algo além do conhecimento dos singulares. À consciência de cada um Kant deve prestar esclarecimentos.

Ainda outra razão podemos acrescentar para relativizar a importância do “filologismo” ou “mania da exegese” que caracterizam o nosso tempo.

Os debates sobre a correta interpretação tendem ao infinito. Sempre aparece alguma teoria nova de interpretação. Isso é particularmente problemático em autores modernos cujo pensamento é confuso.

Por outro lado, é verdade que não é de bom tom dar um chute no escuro e palpitar qualquer coisa. É preciso ter algum conhecimento da causa, contudo, basta conhecer algumas opiniões correntes sobre os autores.

Ninguém poderá ser censurado por ter apenas um posicionamento razoável sobre o assunto, por mais que não seja o melhor possível. Basta um esfoçor comum de discernimento. Erram, antes, aqueles que agridem violentamente os que apenas fizeram esse esforço comum.

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