COMPÊNDIO DE RESPOSTAS SOBRE O CASO HARRY POTTER

Vinicius Dias
8 min readAug 31, 2021

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Eu estava pensando em não falar mais nada, mas já que me envolvi nisso, deixa eu fazer um negócio bem feito, ou seja, deixa eu organizar um post resumido com as principais questões envolvendo Harry Potter.

Para quem não sabe, o CDB lançou um vídeo com o exorcista Pe. Rippeger falando que não recomenda Harry Potter. O vídeo gerou polêmica, porque, dentre outra coisas, o Pe. diz que Harry Potter pode gerar possessão.

1)VINICIUS, VOCÊ NÃO ESTÁ GASTANDO MUITO TEMPO COM HARRY POTTER?

Um excelente ponto a se começar é a justificativa dessa empreitada. Alguns dirão que HP é algo sem importância. Para mim, é muito mais do que HP. A concepção de arte das pessoas (como ficará mais claro) é péssima. O estudo desse caso permitirá a orientação das pessoas em outros casos análogos, então não é algo tão pontual assim.

2)O PADRE SE FUNDA EM PURITANISMO

Definem os próprios críticos como puritanismo a ideia de que o natural é ruim. Essa crítica é realmente péssima. Harry Potter é uma obra de arte, não uma coisa natural, ou seja (parece que vamos ter que explicar o óbvio várias vezes aqui), é a natureza alterada pelo homem. Nem sempre o resultado da arte é conforme à vontade de Deus. Além do mais, concedendo que fosse algo natural, um objeto pode se tornar ilícito por razões subjetivas. A nudez, por exemplo, é natural, contudo, pela concupiscência é bom evitá-la (a não ser no matrimônio, óbvio).

Vale lembrar que os críticos do HP nunca afirmaram isso. É uma inferência gratuita dos defensores.

3)CONTÉM A AFIRMAÇÃO ANTITEOLÓGICA DE QUE É POSSÍVEL INVOCAR FORÇAS SOBRENATURAIS POR MEIOS DE LIVROS NATURAIS.

Essa afirmação resulta de algumas confusões quanto à magia e ação do demônio no geral. Por um lado, sim, o homem não faz nada com suas próprias forças. O verdadeiro autor da magia é o demônio. Se o demônio não quiser (e Deus não permitir, pois o demônio está sob seu controle em última instância), não há magia. Contudo, quem cultiva artes mágicas tem maior predisposição para a ação do demônio, afinal, é razoável que quem brinque com o perigo seja penalizado por isso. Esse é o grande mérito da questão para os padres que alertam os perigos de HP. A acusação de naturalismo do sobrenatural é mais uma acusação gratuita dos defensores de HP.

4)VÁRIAS PESSOAS LEEM E NÃO SÃO POSSUÍDAS PELO DEMÔNIO

Essa crítica é até natural, as pessoas não conhecem muito bem a ação demoníaca e acham que é difícil conciliar uma coisa e outra. Existem vários graus de possessão. Nem todo possuído vira a menina do exorcismo. Há a famosa “obsessão demoníaca”, na qual a pessoa é fortemente sugerida pelo demônio. Os pensamentos se fixam em pecados e a pessoa fica com a liberdade prejudicada (sem, contudo, perdê-la totalmente).

Vale destacar outra coisa. Ao meu ver, o vídeo de Pe. Ripperger usa um lugar comum da retórica que é o seguinte: “Se vale o mais, por mais forte razão vale o menos”. Ou seja, ele mencionou as possessões (grau máximo) para tornar mais forte a afirmação de que HP aumenta a influência demoníaca no geral.

5)OS ARGUMENTOS DO PE. SE FUNDAM EM CASOS ANEDÓTICOS

Entre autores contemporâneos já vi a seguinte divisão: casos anedóticos, casos estudados por especialistas e pesquisas.

A pesquisa é considerada a mais confiável em termos científicos. Os casos anedóticos são casos isolados, que teriam pouquíssima relevância política. Contudo, há o meio-termo dos casos estudados por especialistas. O especialista tem “olhar clínico” e já distingue algumas causas de um acontecimento isolado.

Vale lembrar que durante boa parte da história as pessoas não tinham condições de fazer pesquisas com controle de dados muito rigoroso. O consentimento dos especialistas bastava para decidir um caso e, até mesmo, obrigar em consciência.

6)SOMENTE UM EXORCISTA DISSE ISSO

Publicamente temos três autores que se voltaram contra HP (ao menos dos bem conhecidos no Brasil). 1)Pe. Rippeger, 2)Pe. Gabriele Amorth, 3)Pe. Duarte Lara. Diz O Pe. Ripperger que a maioria dos exorcistas é contra HP. Então parece ser um consentimento.

7)OS QUE CRITICAM HP SÃO CONTRA QUALQUER FORMAÇÃO CULTURAL

Olha, cara, eu não sei nem o que dizer quanto a isso. Seria natural ouvir isso quando criticamos Proust, Balzac, Flaubert, Sthendal e outros romancistas por terem sido indexados. Mas de HP? Isso é formação cultural? HP é reconhecidamente fraco literariamente. De qualquer maneira, para uma obra literária ser boa, é preciso que induza à verdade e ao bem, além de ter uma técnica boa. HP não tem nenhum.

8)A ARTE NÃO NECESSARIAMENTE DEVE SER MORAL

Numerosíssimos grandes autores da história afirmaram o contrário: Aristóteles, Platão, Santo Agostinho e Santo Tomás. Inclusive, até sugeriam o banimento das más obras de arte.

Um argumento para isso que não seja de autoridade é o seguinte. A obra de arte visa o belo. O belo é um transcendental e os transcendentais se convertem entre si. Sendo assim, o belo e o bom se convertem e tudo o que pretenda ser belo e não é bom, não é tão belo assim.

9)HARRY POTTER É SÓ UM DIVERTIMENTO

A arte literária não é só um divertimento distraído. Engaja a inteligência e a vontade. Edgar de Bruyne e Carlos Nougué falam respectivamente do “divertimento sério” e da “deleitabilidade séria”. Tal distinção surge do problema de distinguir a arte do belo da arte ornamental. Elas se diferem nesse sentido de “divertimento sério”, ou seja, de engajar nossas faculdades superiores.

Também, pelas razões ditas no tópico anterior, a arte deve ser moral.

Tendo em vista tudo isso, carece de razão o argumento de que “HP é só um divertimento” para fugir das críticas.

10)NOSSA, COMO VOCÊ É CHATO, ENTÃO TODA ARTE DEVE SER SÉRIA?

É importante precisar esse termo. A comédia pode ser “séria” nesse sentido aludido. Por exemplo. Chespirito (autor do Chaves, para quem não sabe) traz boas lições de moral, seu humor também é bem racional em minha opinião.

A arte pode promover um relaxamento, contudo, não pode nos induzir a contrariar nossa natureza racional.

11)NÃO HÁ PRECEDENTES DISSO NA HISTÓRIA DA FÉ CATÓLICA

Um homem disse isso, não entendi exatamente ao que se referia. Contudo, como disse acima, romancistas franceses de grande técnica foram indexados (ou seja, proibidos). Acrescento agora que foram indexados por muito menos. A Igreja sim na história zelou pela leitura dos fiéis.

12)O INDEX JÁ ACABOU

A instituição do Index acabou, contudo, não o princípio dele. Devemos evitar o risco próximo de pecado. Os moralistas da Igreja (exceto os laxistas, condenados) concordam em dizer que quando há risco de pecar e a pessoa consente em agir mesmo assim, peca. Claro, há a discussão sobre o grau. Qualquer risco não é motivo para pecar, essa tese também é condenada pela Igreja. Santo Afonso diz em casos especulativos e de direito que basta ter a probabilidade igual de licitude em relação à ilicitude. Em questões práticas e de fato, é preciso ter uma certeza maior de que a ação é lícita em relação à certeza de ilicitude.

O Index ainda serve como fundamento histórico para que estimemos o que é bom ou ruim em se tratado de leituras.

13)É O CDB E O NOUGUÉ

Eles podem ter os seus erros, mas nesse caso acertaram, ou seja, no caso do HP e no caso da arte. Considero o trabalho de Nougué sobre a arte um trabalho muito bom e bem fundamentado.

14)O PE. RIPPERGER DISSE QUE “SÓ” HARRY POTTER CAUSOU A POSSESSÃO.

“Só” e restrições análogas nem sempre são usadas para excluir todas as possibilidades do universo. Pode pressupor algumas exceções óbvias ou o que é necessário para que algo ocorra. Um exemplo comum é a afirmação bíblica de São Paulo: “Não há um que não tenha pecado”. Jesus e Nossa Senhora não pecaram.. Sendo assim, observam-se as condições ditas anteriormente sobre a vontade de Deus e do demônio.

15)É ESCRÚPULO

Curiosamente, não vi ninguém dizer isso, mas é sempre bom nos adiantarmos. Seria uma crítica um pouco melhor do que falar em puritanismo.

O escrúpulo se caracteriza por achar que algo é pecado sem fundamentos. Como já dissemos anteriormente, parece haver um consentimento unânime entre os exorcistas que HP faz mal. Confiar em autoridades idôneas para formar a sua consciência é um princípio razoável. Ninguém pode ser acusado de escrúpulo somente por causa disso. Também se refuta isso com outros argumentos usados. Se a pessoa possui inúmeros motivos para achar isso, então não se trata de escrúpulo.

16)CASOS ANEDÓTICOS PARTE 2

Já dá para perceber que esta lista não segue uma ordem muito rigorosa. Conforme eu vou me lembrando, vou colocando. Quero atentar a outro propósito dessa crítica. Não há evidências razoáveis de que HP induz à bruxaria?

Esta notícia (mesmo que antiga) diz bastante:

https://www1.folha.uol.com.br/.../cot.../ff2006200425.htm...

Até pela história é razoável presumir a grande influência mágica.

17)MAGIA NÃO FUNCIONA

Curiosamente não vi nenhum quevedista se pronunciar. Sempre aparece alguém. Bom, vamos supor que sim. Mesmo que o quevedista negue a realidade da magia, deverá admitir que HP leva à superstição. Ou seja, não importa muito se funciona ou não de verdade, o fato de muitas pessoas cultivarem a magia é negativo por si mesmo. Pode enfraquecer a afirmação dos padres exorcistas, mas não conseguirá afastar a afirmação: “Harry Potter traz grandes riscos”.

18)TOLKIEN E LEWIS POSSUEM MAGIA TAMBÉM

É importante ver a função da magia em cada contexto. A magia nos dois primeiros autores tentam simbolizar virtudes cristãs.

Em segundo lugar, a influência de HP é claramente hermética (alquimia, por exemplo). JK Rowling assumidamente se inspirou em feitiços reais.

Fica claro, pois, que a questão não é tanto da magia na obra de arte ser má, mas com qual espécie de magia estamos lidando.

19)HARRY POTTER É PORTA DE ENTRADA PARA A LEITURA

Diz José no Gênesis 50, 20 aos seus irmãos que lhe fizeram mal: “Vossa intenção era de fazer-me mal, mas Deus tirou daí um bem”. Deus pode tirar um bem do mal. Pode tirar um bem do pecado, pode tirar o bem até do Satanás. Deus é onipotente. Contudo, podemos louvar ou praticar o mal? Diz o Apóstolo em Romanos:

“Então que diremos? Permaneceremos no pecado, para que haja abundância da graça?De modo algum”. E na sequência: “Então? Havemos de pecar, pelo fato de não estarmos sob a lei, mas sob a graça? De modo algum.Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça?”

Se alguém aprendeu a gostar de leitura por causa de HP, agradeça a Deus, não a JK Rowling. Quem procede ao contrário, colocando sua gratidão em HP, age com estultícia. Agradeça, pois, ao verdadeiro autor do bem.

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Conforme eu for me lembrando, coloco mais itens aqui. Espero que tenha ficado claro o quão ruim são as más obras de arte, em particular, Harry Potter.

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