Mais um erro da praxiologia de Mises e melhoramentos da crítica anterior

Vinicius Dias
4 min readFeb 8, 2019

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Meu amigo Luciano Takaki (também converso do ateísmo e do libertarianismo) esteve lendo recentemente o livro de Scherer, já bem citado nesse Medium. Alias, o livro A Raiz Antitomista da Modernidade Filosófica está na promoção. Meu amigo Takaki me enviou uma página do livro e nela percebi algo que não havia percebido antes:

O erro que detectei é a inversão da essência pela propriedade. Na sua Isagoge, Porfírio elenca 5 vozes, ou cinco formas de predicar. São o Gênero, a diferença específica, a espécie, a propriedade e o acidente.

Os três primeiros se referem à essência de um ente, já os outros dois são predicações não-essenciais. O acidente é algo como a cor da pele, a altura, enquanto a propriedade é o acidente próprio, ou seja, algo que deriva da essência. Por exemplo, o homem é animal político. A sua politicidade (propriedade) advém de sua racionalidade (essência).

Ao definir o homem como homo agens Mises inverte a essência pela propriedade. O resultado são questões bizarras como “crianças possuem direito?”, “retardados mentais possuem direitos?”, típicas do libertarianismo.

Isso significa que Mises de fato cometeu um erro de lógica em sua “irrefutável” praxiologia (praxeologia é anglicismo e praxiologia é a forma correta).

Aproveito um texto para dar uma comentada no meu texto já escrito e falar o que acho que mudou e o que permanece.

Quanto ao primeiro erro, citei que Mises considerava antes que a ação tendia a fugir do mal antes de perseguir um bem. Creio que isso não se alterou. Aproveito para dizer que, como postado na foto acima, o austríaco de fato tentou inferir uma doutrina teológica a partir da praxiologia. Muitos vieram me criticar dizendo que não havia lido a Ação Humana e que a praxiologia não pretendia isso. Sugiro que debatam com Mises sobre o assunto, pois o próprio expõe no seu livro (como citado acima).

Quanto ao segundo, eu faria algumas alterações. Na verdade eu escreveria “Erros de antropologia”. Talvez o erro principal quanto a isso seja justamente o erro que mencionei mais acima. Mises define o homem por sua propriedade e não por sua essência. Mas esse erro é um gênero de erros e poderia citar alguns que se encaixam nessa categoria. A questão da eudemonia e hedonismo é uma dela e eu a chamaria pela “redução da eudemonia ao hedonismo”.

Quanto ao terceiro, também o manteria sem muitos detalhes. Acrescento aqui que a doutrina que talvez mais se oponha ao tomismo é o kantismo. E há inúmeros livros de tomistas combatendo o kantismo. Poderia citar Octavio Derisi, Roger Vernaux,Garrigou-Lagrange, Carlos Nougué, Sidney Silveira etc. Poderiam citar, como contra-argumento, a existência de “tomistas-transcendentais” como Joseph Maréchal, intelectuais que tentam sintetizar o tomismo com o kantismo. Antes de mais nada, esses homens, apesar de tentarem a síntese, também fizeram duras críticas ao kantismo e antes de tudo são tomistas-transcendentais e não transcendentais-tomistas. Diga-se por fim, quanto a isso, que o tomismo-transcendental praticamente morreu nos dias de hoje, tal ideia de unir os dois perdeu a credibilidade ao longo do tempo.

Quanto ao quarto argumento levantado, talvez seja o que mais reformularia. Por um lado, creio que se reduza ao novo argumento dois, ou seja, o de seja um erro de antropologia. De certa maneira, é também um erro da chamada Física Geral, pois há certas confusões quanto à questão das causas, o que ainda não consegui estabelecer de forma clara em Mises. Na expressão de meu amigo Mateus Tibúrcio, a praxiologia poderia ser considerada um “finalismo frustrado”. Ela intenta uma definição de ação pelas causas finais, mas acaba caindo num certo mecanicismo. Isso se torna claro na ética libertária. Podemos resumi-la mais ou menos na seguinte expressão: todo mundo tem finalidades subjetivas e como não tem uma subjetividade correta, tudo se resolve pela ordenação das causas mecânicas (misto de eficiente e material). Mas uma das perguntas que faço é se isso não seria um problema antes dos libertários do que de Mises, ou se isso já está presente em Mises. Enfim, isso é um ponto a ser estudado.

Reformulando a ordem do meu artigo anterior, colocaria que esses são os defeitos de Mises:

  1. Prioridade do mal em relação ao bem quanto à causa da ação humana
  2. Erros antropológicos (inversão da essência pela propriedade)

a.Redução do eudemonismo ao hedonismo

b.Separação da ação quanto à finalidade intrínseca da espécie humana

3. Erros de causalidade (ou erros de Física Geral)

a.redução da causa final à intenção subjetiva do agente

b.Separar os meios dos fins

c.Finalismo frustrado/mecanicismo (ainda por aprofundar)

Creio assim consigo estabilizar refutações à praxiologia. E devo isso principalmente a Scherer e a Luciano Takaki que contribuem muito para esse propósito.

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