Problemas do libertarianismo

Vinicius Dias
5 min readSep 8, 2021

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Para quem não sabe, sou ex-libertário. De 2014 a 2015 cultivei o libertarianismo e mergulhei de cabeça nesse sistema. Na época li por volta de uns 30 livros sobre o tema, dentre eles: “Democracia, o Deus que falhou”, “Teoria do capitalismo e socialismo” de Hoppe, Ética da Liberdade de Rothbard, “Liberalismo” de Mises e outros. Esses são só alguns títulos dos quais me lembro.

Cheguei a ser amigo dos Chioccas (que me contaram bastante dos bastidores do Instituto Mises) e era bastante participativo na comunidade libertária de facebook.

Meu antigo livro de cabeceira

De 2015 a 2016 passei por uma fase olavista. Em 2016 tornei-me católico e passei a estudar o tomismo.

O que aconteceu para eu abandonar o libertarianismo? Tentarei compendiar aqui alguns argumentos importantes para mim.

1- Voluntarismo moral

Se alguém perguntasse a um libertário: “o libertarianismo tem alguma moral?”, diriam prontamente que “não”. Usam a distinção moderna entre moral e ética, afirmam que a ética libertária independe de qualquer sistema moral e pode ser aceita por todos.

Esse é talvez um dos maiores equívocos de todos sobre o libertarianismo. O libertarianismo pressupõe uma moral voluntarista. E o que é isso? Voluntarismo é colocar a vontade acima de tudo. A ética só surge para coordenar as mais diversas vontades no mundo, mas a vontade continua sendo, em certo sentido, soberana.

E como esse equívoco se produz? É usado um raciocínio que aparentemente é imparcial, mas no fundo pressupõe essa ideia. É o que alguns já chamaram de “estado de natureza”, pois faz lembrar bastante o raciocínio de autores modernos como Hobbes, Rousseau e Locke que tentam voltar a um estado originário do homem para fundar a ética.

Esse modo de raciocinar talvez ainda tenha outro precedente: Descartes. O francês estabelece a dúvida universal como método filosófico. Somente o que sobrevive a ela tem valor. Contudo, há um problema que muitos autores notaram. A dúvida metódica já pressupõem um método. De antemão Descartes já duvida em busca de uma filosofia matematizável.

A intenção aqui não é fazer exegese desses filósofos, estou apenas apresentando uma interpretação comum que muito influenciou o libertarianismo.

Pois bem, postas essas analogias, é importante notar que muitas vezes colocamos tudo em “parênteses” a título de “imparcialidade”, contudo, acabamos tirando algo que não deveríamos, ou pondo algo que não existia.

O libertarianismo procede de maneira semelhante. A figura do Robson Crusoé é muito utilizada (que aliás, influenciou muito alguns autores do “estado de natureza”). Você se encontra numa ilha, não tem ninguém ao seu lado, faz de tudo para sobreviver, até encontrar um nativo. Então você passa a fazer acordos voluntários com ele.

O problema de Crusoé é que a questão da vontade não é suficientemente levantada. O comércio entre os dois funciona bem porque ambos partem do pressuposto da sobrevivência. E se sexta-feira fosse dono da Ilha e quisesse cobrar preços caríssimos a Crusoé por puro sadismo? O que o impediria?

De qualquer maneira, uma ilustração mais clara do que pretendo virá com o famoso problema da legalização das drogas no libertarianismo. Vamos imaginar a seguinte situação. Seu amigo produz crack na casa dele. Tudo o que ele consegue é com o dinheiro dele e de maneira legal. Ele planta a cocaína, extrai o princípio ativo e depois solidifica o crack. O que o impediria de fumar (ou até de vender)?

O libertário dá por certo que nada impede. Às vezes tenta sair pela tangente dizendo que o crackeiro seria boicotado e coisas do gênero. A questão que se coloca nesse ponto é: a vontade determina ou não determina o livre uso das coisas? A propriedade privada é, por assim dizer, uma materialização e uma maneira de coordenar as mais diversas vontades, pressupõe desde o início a primazia da vontade.

Mas a primazia da vontade é provada? De modo algum.

Uma alternativa seria o intelectualismo moral. Comum em Aristóteles e Santo Tomás, o que determina a vontade é o intelecto que gera o dado para ela. Em outras palavras, a notícia de bem passa antes pela inteligência. Mais especificamente, no caso do homem, inteligimos a natureza homem e, então, o bem consistirá em agir conforme ela.

Nessa perspectiva, o problema do crack teria outra solução. O homem é animal racional, pode o homem deliberadamente causar grave dano para sua inteligência e para a sua integridade física? É claro que não. Poderíamos invadir a casa da pessoa e interromper o uso dela.

Dado o exemplo, vamos estabelecer de maneira mais clara a distinção entre os dois sistemas. No voluntarismo, a vontade coloca a noção de bem no objeto que quer. Se a pessoa decide que o crack é bom, bom o crack será. No outro sistema, a eleição do que é bom não pode ser feita desconsiderando o que a coisa é na realidade. Se o crack é prejudicial (e gravemente prejudicial, espero não ver a associação do crack com o café e açúcar), então é mau. Podemos chamar de intelectualismo, pois esse juízo já foi determinado pela inteligência previamente.

Mais para frente deste artigo provavelmente ficará claro que o libertarianismo tende a gostar muito de reduções ao absurdo como estratégia argumentativa. Isso é uma espécie de demonstração indireta. É um modo válido de raciocinar por si mesmo, oproblema é que é preciso refutar todas as alternativas que surgirem. Digo isso para me eximir da responsabilidade de ter que demonstrar muito amplamente a precedência do intelecto sobre a vontade. Uma vez que se assuma essa estratégia, dever-se-ia repensar o sistema libertário havendo a possibilidade de outro fundamento moral que não a vontade.

Mas, um breve argumento se funda no estudo da potência intelectiva e volitiva. A vontade, por definição, não capta nada, o intelecto é quem capta as coisas. Sendo assim, fica claro que a vontade é determinada pelo intelecto. Outro argumento é o de que não é possível desejar nada sem ter notícia desse algo. Tudo o que desejamos é algo que conhecemos. Sendo assim, necessariamente a vontade é informada pelo intelecto (ao menos parcialmente).

É importante comentar duas objeções: “mesmo que a vontade seja subordinada ao intelecto, não é preciso respeitá-la?”. Poder-se-ia argumentar no voluntarismo que não a vontade não é determinada por nada, pois não há uma instância superior. Mas se a inteligência é superior, obviamente temos um critério para julgar a vontade. A vontade que escolhe algo que é obviamente um mal como o crack é irracional. Podemos comentar o par de termos “racional x irracional em outro lugar”. Mas uma vez que a inteligência esteja acima da vontade, fazer uma tolice (principalmente tão grave como fumar crack) é necessariamente antiético.

Outra objeção, bastante semelhante, é a de que o libertarianismo funcionaria para qualquer sistema moral. Talvez nem seja um argumento realmente novo, mas provavelmente o libertário insistiria nisso e por isso vamos comentá-lo. Mudam-se os princípios, mudam-se as conclusões. A propriedade privada dentro do libertarianismo sempre pressupõe a primazia da vontade.

2-Extensão exagerada da propriedade.

VOU ESCREVER ESTE ARTIGO AOS POUCOS. POR ENQUANTO SÓ HÁ A PARTE 1.

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